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May 12, 2024

O mundo está ficando cego. Taiwan oferece um aviso e uma cura

Amit Katwala

Fazer uma cirurgia na parte posterior do olho é um pouco como colocar um carpete novo: você deve começar movendo os móveis. Separe os músculos que prendem o globo ocular dentro da órbita; faça um corte delicado na conjuntiva, a membrana mucosa que cobre o olho. Só então o cirurgião pode girar o globo ocular para acessar a retina, a fina camada de tecido que traduz a luz em cor, forma e movimento. “Às vezes é preciso puxar um pouco”, diz Pei-Chang Wu, com um sorriso irônico. Ele realizou centenas de operações durante sua longa carreira cirúrgica no Hospital Memorial Chang Gung, em Kaohsiung, uma cidade industrial no sul de Taiwan.

Wu tem 53 anos, é alto e magro, com cabelos escuros e escorridos e um andar ligeiramente curvado. Durante o jantar no opulento Grand Hotel de Kaohsiung, ele folheia arquivos em seu laptop, mostrando-me fotos de cirurgias oculares – as hastes de plástico que fixam o olho no lugar, as luzes de xenônio que iluminam o interior do globo ocular como um palco – e clipes de filmes. com legendas relacionadas à visão que transformam Vingadores: Ultimato, Top Gun: Maverick e Zootopia em mensagens de saúde pública. Ele espia a tela através de lentes de garrafa de Coca-Cola que se projetam de finas armações prateadas.

Wu é especialista em reparar descolamentos de retina, que ocorrem quando a retina se separa dos vasos sanguíneos dentro do globo ocular que lhe fornecem oxigênio e nutrientes. Para o paciente, essa condição se manifesta primeiro como manchas claras ou escuras, conhecidas como moscas volantes, que dançam em sua visão como vaga-lumes. Se não forem tratadas, pequenas lesões na retina podem evoluir de visão turva ou distorcida para cegueira total – uma cortina que se abre em todo o mundo.

Quando Wu iniciou sua carreira cirúrgica no final da década de 1990, a maioria de seus pacientes estava na faixa dos sessenta ou setenta anos. Mas em meados dos anos 2000, ele começou a notar uma mudança preocupante. As pessoas em sua mesa de operação ficavam cada vez mais jovens. Em 2016, Wu realizou uma cirurgia de fivela escleral – prendendo um cinto ao redor do olho para fixar a retina no lugar – em uma menina de 14 anos, estudante de uma escola secundária de elite em Kaohsiung. Outro paciente, um proeminente programador que trabalhou para o Yahoo, sofreu dois graves descolamentos de retina e ficou cego de ambos os olhos aos 29 anos. Ambos os casos fazem parte de um problema mais amplo que vem crescendo em toda a Ásia há décadas e está rapidamente se tornando um problema também no Ocidente: uma explosão de miopia.

A miopia, ou o que comumente chamamos de miopia, acontece quando o globo ocular fica muito longo – ele se deforma da bola de futebol para o futebol americano – e então o olho focaliza a luz não na retina, mas ligeiramente na frente dela, fazendo com que objetos distantes pareçam embaçados. Quanto mais longo o globo ocular fica, pior fica a visão. Os oftalmologistas medem essa distorção em dioptrias, que se referem à força da lente necessária para trazer a visão de alguém de volta ao normal. Qualquer coisa pior do que menos 5 dioptrias é considerada “alta miopia” – algo entre 20 e 25 por cento dos diagnósticos de miopia em todo o mundo estão nesta categoria. Na China, até 90% dos adolescentes e jovens adultos são míopes. Na década de 1950, o número era tão baixo quanto 10%. Um estudo de 2012 em Seul descobriu que surpreendentes 96,5% dos homens de 19 anos eram míopes. Entre os estudantes do ensino médio em Taiwan, a proporção é de cerca de 90%. Nos EUA e na Europa, as taxas de miopia em todas as idades estão bem abaixo dos 50 por cento, mas aumentaram acentuadamente nas últimas décadas. Estima-se que, até 2050, metade da população mundial necessitará de óculos, lentes de contato ou cirurgia para enxergar através de uma sala. A alta miopia é hoje a principal causa de cegueira no Japão, China e Taiwan.

Se essas tendências continuarem, é provável que milhões de pessoas em todo o mundo fiquem cegas muito mais cedo na vida do que elas – ou as sociedades em que vivem – estão preparadas. É uma “bomba-relógio”, diz Nicola Logan, professora de optometria na Universidade de Aston, no Reino Unido. Ela não foi a única especialista com quem conversei que usou essa frase. Como grande parte da população de Taiwan já vive com miopia, a nação insular já vislumbrou o que poderia estar por vir para o resto de nós. E numa rara confluência, o país também pode ser o melhor lugar para procurar soluções.

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